“A ORIGEM DO MUNDO”
24 February 2009Em plena quadra carnavalesca, o episódio da apreensão em Braga de livros em cuja capa figura uma reprodução do famoso quadro de Courbet teve desfecho rápido: o auto lavrado foi dado sem efeito, os livros serão devolvidos.
Um deputado anunciou que irá entregar um requerimento dirigido ao Ministério da Administração Interna para saber “como é que o MAI reage à situação” e “qual é a orientação que o ministério dá à PSP”. Ainda antes de perguntar e obter resposta, o parlamentar foi adiantando que “para além do ridículo que representa do ponto de vista cultural, porque se trata de um quadro mundialmente célebre, há aqui um problema grave de liberdades ,em que há uma actuação da PSP que é desafiadora de direitos fundamentais”.
Independentemente da resposta formal a dar pelos canais institucionais próprios, a posição do MAI foi a que devia ser: assegurar a célere reversão da situação gerada. O livro em causa -“Pornocracia” de Catherine Breillat-circula desde há seis anos tranquilamente no mercado livreiro, desembocando agora na fase de saldos, e a sua capa, distinta da adoptada em outros países, pode ser objecto de infindáveis debates estéticos, mas não suscita, em democracia, qualquer debate jurídico-penal, nem habilita autoridades policiais a qualquer intervenção.
Elementos da PSP de Braga reconheceram ex-post que uma apreensão fundada no teor e capa do livro, carece,pura e simplemente, de base legal e declararam publicamente que a apreensão dos livros decorreu de queixas dos pais de várias crianças que visitaram a feira do livro em saldo, no centro da cidade:
“Havia vários grupos de crianças a visitar a feira que, depois de se aperceberem da obra, arrastaram vários colegas para a verem. Os pais não gostaram da situação, começaram a ficar inquietados e pediram aos organizadores que retirassem os livros”.
A acção policial foi assim explicada como “medida cautelar para evitar uma alteração da ordem pública e o cometimento de outros crimes”, dada a “iminência de confrontos físicos” no recinto da feira.
Tal interpretação do quadro legal é desprovida de fundamento e, se valesse como precedente , não daria descanso às forças de segurança: doravante passariam a ter de tomar partido em choques de opinião sobre questões de gosto, moral e opinião, quanto às quais lhes cabe tão só velar pelo pluralismo social e pela defesa das liberdades. Ao sabor de queixosos ad hoc em feiras, livrarias e, pelo mesmo critério, cinemas, teatros, exposições…
No caso vertente, poderiam os encarregados de educação presentes na feira ter admoestado (ou não) os seus rebentos atraídos pela “Origem do Mundo”. Não cabe, porém, às polícias substituirem-se às convicções e acções dos pais em tais situações e menos ainda praticar, sob qualquer pretexto, actos que privem eventuais compradores de ter acesso a uma obra cuja venda é livre e não pode ser impedida em qualquer ponto do território nacional.
Sendo esta a orientação que decorre da Constituição e da lei, será ela que prevalecerá no caso concreto e deverá ser seguida pelas forças de segurança, sejam quais forem as pressões sociais que os acasos gerem.
José Magalhães